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Posts do blog (85)

  • A arte negra como arma de resistência e futuro

    O Agosto Negro, mês de celebração da resistência e da luta contra o racismo, nos convida a reconhecer a arte negra como uma frente de batalha política central. Mais que um mero ornamento estético, a produção cultural negra – da literatura à música, do teatro às artes visuais – é um campo estratégico de disputa. É onde se denunciam opressões, mas, principalmente, onde se criam futuros, se inscrevem memórias e se afirma a humanidade negra em um mundo que historicamente tenta desumanizá-la, negando-lhe voz, espaço e representatividade. Através de suas diversas manifestações, a arte negra rompe com narrativas dominantes e impõe novas perspectivas. Como afirmou Stuart Hall, a cultura é um terreno de luta por poder e significado. Compreender a arte negra é, portanto, reconhecer seu papel crucial na luta antirracista, atuando como um catalisador para a mudança social e a emancipação. A palavra como território de poder A literatura negra talvez seja o exemplo mais claro da palavra como arma. Carolina Maria de Jesus, com seu diário "Quarto de Despejo" (1960), expôs a face oculta de uma sociedade que se dizia racialmente democrática. Ao transformar sua marginalização em matéria literária e política, Carolina não só denunciou a fome e a pobreza nas favelas de São Paulo, como também inaugurou uma tradição de ruptura, dando voz a milhões de brasileiros invisibilizados. Sua obra é um marco na literatura nacional e um testemunho da resiliência. Décadas depois, Conceição Evaristo recuperou e ampliou essa herança com o conceito de escrevivência. Para ela, a escrita negra não busca agradar, mas "incomodar os da casa-grande em seus sonos injustos." A escrevivência é um ato de insurgência, onde sujeitos negros narram suas próprias histórias, quebrando a invisibilidade e legitimando suas experiências contra a colonialidade do saber, que historicamente silenciou suas vozes e desvalorizou seus conhecimentos. A arte que transcende a página A potência da arte negra se expande para outros campos, provando sua versatilidade e impacto. O samba, criminalizado em suas origens, tornou-se um símbolo de afirmação coletiva e de resistência cultural, celebrando a identidade afro-brasileira. O rap e o funk ecoam a voz das periferias, denunciando a violência policial, o racismo e a desigualdade, e servindo como plataformas para a conscientização e a mobilização social. Emicida resume essa força: "A periferia não é silêncio, a periferia é um grito coletivo," um grito que exige justiça e reconhecimento. No teatro, o trabalho de Abdias do Nascimento com o Teatro Experimental do Negro (1944) foi uma virada histórica. Ele combatia os estereótipos racistas e reivindicava uma dramaturgia que expressasse a experiência e a dignidade negra, resgatando a autoestima e a representação positiva. Como Abdias dizia, a cultura é um "instrumento de libertação ou de opressão, nunca neutra," sublinhando seu poder transformador. Nas artes visuais, artistas como Rosana Paulino e Arjan Martins confrontam a invisibilização do trauma e da memória negra. Paulino, em seu trabalho de costuras e cicatrizes, busca "intervir sobre o apagamento histórico que recai sobre as mulheres negras", reescrevendo a história da diáspora africana com imagens impactantes que provocam reflexão e cura. Suas obras são pontes entre o passado e o presente, desafiando a amnésia histórica. Arte como "reexistência" A arte negra não apenas resiste, ela reexiste. Se resistir é responder a um ataque, reexistir é afirmar a vida, a complexidade e o afeto em meio à violência estrutural. A noção de reexistência, presente nos debates decoloniais, sugere que a criação cultural negra é um ato de invenção do possível, uma construção de mundos novos e mais justos. É uma forma de autoafirmação e de celebração da existência. Como aponta Achille Mbembe, a imaginação é uma forma de resistência. O batuque, a dança, a poesia e o grafite rompem com a lógica que tenta reduzir corpos negros à ausência ou à morte, e os elevam a símbolos de vitalidade e persistência. Cada obra é um gesto de reconstrução coletiva, carregando em si uma dimensão de futuro e utopia, onde a negritude é celebrada em sua totalidade. Um convite à ação Consumir e apoiar artistas e escritores negros não é uma escolha estética, mas um ato político fundamental que impulsiona a transformação social. A crítica, o mercado editorial e as instituições culturais têm a responsabilidade de romper o ciclo de invisibilização, promovendo a diversidade e a inclusão. Como bell hooks insiste, "a cultura pode ser um lugar de luta radical onde novas visões são possíveis," e onde a justiça social pode ser alcançada. Encerrar o Agosto Negro não significa encerrar o debate, mas intensificá-lo. É um convite para continuar a luta, buscando obras de Miriam Alves, Ana Maria Gonçalves, Djamila Ribeiro e outros talentos negros, e abrindo novos espaços para narrativas negras em todas as áreas, desde a academia até a mídia e o entretenimento. No fim das contas, cada poema, cada batida e cada performance é mais que palavra: é uma arma, um escudo e um horizonte na construção de uma sociedade verdadeiramente plural e justa, onde a arte negra ocupa seu mer ecido lugar de destaque e poder. Referências Evaristo, Conceição. Olhos d’Água. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. hooks, bell. Black Looks: Race and Representation. Boston: South End Press, 1992. Mbembe, Achille. Políticas da Inimizade. Lisboa: Antígona, 2017. Nascimento, Abdias. O genocídio do negro brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

  • Desigualdade na educação e o desafio da equidade racial: o que os Dados exigem de nós

    A educação deve ser o alicerce de uma nação comprometida com a equidade. No entanto, no Brasil, os dados escancaram uma realidade persistente e estrutural: a taxa de analfabetismo entre a população negra é mais do que o dobro da verificada entre a população branca. Essa disparidade se replica em todos os níveis de ensino e é apenas um dos muitos sintomas de um sistema educacional historicamente excludente. O que para alguns são apenas estatísticas, para nós, do SIMIR, são evidências de um projeto de exclusão que se perpetua. Trata-se da materialização de uma herança escravocrata que, mesmo após a abolição formal, nunca foi enfrentada com a urgência e profundidade necessárias. A ausência de reparação histórica consolidou desigualdades raciais profundas, que se expressam no acesso desigual à educação de qualidade, à permanência escolar e às oportunidades de mobilidade social. Comunidades negras seguem desproporcionalmente expostas à precariedade das infraestruturas escolares, à escassez de recursos pedagógicos e à lógica da evasão escolar, muitas vezes provocada pela necessidade de inserção precoce no mercado de trabalho. Essa realidade revela que a desigualdade racial na educação não é apenas um resquício do passado, mas um mecanismo ativo de reprodução da pobreza e da exclusão. Neste cenário, a pergunta central não é apenas "o que está acontecendo?", mas "o que o Estado está fazendo — ou deixando de fazer — diante disso?" A análise de dados educacionais com recorte racial mostra que, embora a desigualdade seja visível e mensurável, as políticas públicas voltadas para a equidade racial ainda são tratadas como medidas pontuais, não como diretrizes estruturantes. O papel do SIMIR é justamente tensionar essa inércia institucional. Monitoramos indicadores de desigualdade racial na educação para evidenciar lacunas, avaliar impactos de políticas públicas e oferecer insumos concretos para decisões que rompam com o ciclo da exclusão. A experiência com as políticas de ação afirmativa, como as cotas raciais no ensino superior, é exemplar: quando bem formuladas, com base em dados e acompanhadas de avaliação contínua, essas políticas têm impacto comprovado na redução das desigualdades. Portanto, insistimos: a luta por uma educação antirracista precisa ser encarada como um compromisso de Estado, e não apenas como agenda de militância. Ela exige vontade política, investimento direcionado e a disposição de enfrentar os alicerces estruturais do racismo institucionalizado. Encaminhamentos Estratégicos para a Construção da Equidade Racial na Educação Políticas Baseadas em Evidências com Recorte Racial: A formulação e a avaliação de políticas educacionais precisam, obrigatoriamente, incorporar indicadores raciais. A ausência desse recorte compromete qualquer tentativa séria de equidade. A equidade racial deve ser critério de alocação orçamentária e de priorização de ações. Investimento Estruturante em Escolas de Territórios Negros e Periféricos: Não se trata apenas de ampliar o acesso, mas de garantir condições de permanência e qualidade. Infraestrutura adequada, conectividade, bibliotecas, laboratórios e alimentação escolar de qualidade são elementos básicos — ainda negligenciados em muitas comunidades. Formação Antirracista como Política de Estado: A formação inicial e continuada de educadores precisa incorporar conteúdos obrigatórios sobre relações étnico-raciais, história e cultura afro-brasileira e combate ao racismo institucional. Isso deve ser regulamentado e monitorado com rigor. Políticas de Permanência Escolar com Recorte Racial: Para garantir que estudantes negros concluam suas trajetórias escolares, é fundamental criar mecanismos de apoio como bolsas permanência, mentorias, programas de combate à evasão e suporte psicossocial, com metas e indicadores de avaliação. A construção de uma educação antirracista não pode ser delegada apenas à sociedade civil ou ao voluntarismo de profissionais comprometidos. É dever do Estado enfrentar o racismo estrutural com políticas públicas robustas, sustentadas por dados, orçamento e responsabilização. O SIMIR atua justamente para qualificar esse processo: transformando dados em ferramenta de incidência política, conectando conhecimento técnico à luta histórica dos movimentos negros e pressionando por ações concretas. Se você é um formulador de políticas públicas ou um ativista comprometido com a transformação estrutural do país, junte-se a nós. O caminho da equidade é possível — mas ele exige decisão política, coragem institucional e base empírica sólida. Siga nosso trabalho nas redes, acompanhe os indicadores e use os dados como ferramenta de mobilização, pressão e formulação. A justiça racial na educação depende do que escolhemos fazer com as evidências que temos. Clique aqui para seguir nosso perfil no Instagram!

  • Agosto Negro: falar sobre saúde da população negra é falar sobre Justiça

    Agosto Negro, um mês de denúncia e afirmação O mês de agosto carrega, em muitas partes do mundo, um significado de resistência e memória negra. Inspirado pelas lutas da diáspora africana — como as rebeliões de escravizados nas Américas e o legado de líderes como Marcus Garvey e George Jackson — o Agosto Negro é uma convocação à ação política e simbólica. No Brasil, este mês pode ser reinterpretado como um espaço para visibilizar e enfrentar as violências que atravessam a vida da população negra, inclusive em dimensões menos visíveis, como a saúde. Neste ano, a Livraria Pandora dedica o Agosto Negro à promoção de debates e reflexões sobre saúde e justiça racial. Aproveitamos o Dia Nacional da Saúde (5 de agosto), tradicionalmente associado ao sanitarista Oswaldo Cruz, para fazer um deslocamento epistemológico: e se pensássemos a saúde a partir das vivências e resistências negras? E se falar de saúde significasse, antes de tudo, reconhecer as feridas abertas pelo racismo estrutural? Essa perspectiva nos leva a entender que o direito à saúde plena não se limita ao acesso a serviços médicos, mas está intrinsecamente ligado à superação das opressões raciais que moldam as experiências de adoecimento e cura. O Racismo como fator de adoecimento: Uma perspectiva da saúde coletiva Longe de ser uma abstração, o racismo é um determinante social da saúde. Ele se infiltra nas estruturas, nas instituições e nas relações cotidianas, produzindo sofrimento e, muitas vezes, morte. A saúde da população negra está marcada por uma condição crônica de exclusão. A esse respeito, o Ministério da Saúde do Brasil reconheceu, na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) de 2009, que o racismo, a discriminação racial e as iniquidades em saúde são desafios que precisam ser enfrentados. A sobrecarga de estresse, a exaustão, a hipervigilância e a vigilância policial são fatores que, como apontam estudos em saúde coletiva, estão associados a doenças cardiovasculares, hipertensão e transtornos psíquicos. A psicóloga e militante Neusa Santos Souza, em seu clássico Tornar-se Negro (1983), já alertava que o processo de subjetivação do negro no Brasil é atravessado por um constante sentimento de inadequação e violência simbólica. O corpo negro adoece ao ser permanentemente visto como ameaça, inferior ou descartável. A esse respeito, Frantz Fanon, psiquiatra martinicano, afirmava que “para o negro, não basta ser corpo: ele precisa justificar sua existência diante de um mundo branco que o nega” (Pele Negra, Máscaras Brancas, 1952). Fanon nos ensinou que o sofrimento psíquico do negro é, fundamentalmente, uma reação a uma estrutura social que o desumaniza. Desigualdades no acesso e cuidado: O Racismo Institucional em ação O racismo institucional no sistema de saúde brasileiro aprofunda essas desigualdades. Segundo dados do Ministério da Saúde, mulheres negras têm quase três vezes mais chances de morrer no parto do que mulheres brancas. Esses dados, provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde, evidenciam a negligência e a falta de cuidado adequado. Quando acessam unidades de emergência, pessoas negras são mais frequentemente negligenciadas, recebem menos analgesia e têm menos chances de encaminhamento a procedimentos especializados, uma realidade documentada por diversas pesquisas sobre a qualidade do atendimento e o viés racial na medicina. A anemia falciforme, doença genética que atinge majoritariamente pessoas negras, é um dos símbolos dessa negligência. Embora seja a doença hereditária mais comum no Brasil e com alta prevalência na população afro-brasileira, ela ainda enfrenta diagnósticos tardios, falta de acesso a medicamentos adequados e escassez de campanhas de conscientização. Esse apagamento revela uma epistemologia branca da saúde, que normatiza o corpo branco como medida universal e silencia as especificidades das corporeidades negras, uma crítica que autores como o médico e sociólogo sanitarista Sérgio Arouca já faziam ao modelo biomédico tradicional, que falhava em reconhecer as dimensões sociais e raciais da saúde. Saúde Mental como território de luta: descolonizando o cuidado A saúde mental, por sua vez, torna-se um dos campos mais sensíveis da luta antirracista. Fanon, que atuou como psiquiatra na Argélia colonizada pela França, denunciou que o sofrimento psíquico do negro não pode ser entendido fora da experiência colonial e do racismo. O que ele chamou de “alienação do negro” é, na verdade, um trauma político, coletivo e histórico, que exige uma abordagem terapêutica que reconheça essa dimensão. Neusa Santos Souza, ao descrever a “negritude recusada” nas estruturas de subjetivação, antecipava os debates contemporâneos sobre saúde mental e branquitude. A ausência de terapeutas negros, o despreparo dos profissionais de saúde mental para lidar com a questão racial e a patologização da resistência negra são formas sutis de violência institucional. Essas questões são discutidas por teóricos como Jurema Werneck e Maria Aparecida Bento, que defendem a necessidade de uma psicologia e uma psiquiatria antirracistas. Assim, práticas de cuidado precisam ser descolonizadas. Isso significa criar espaços de escuta onde a experiência racial seja reconhecida, valorizada e compreendida como constitutiva do sujeito. Significa também fortalecer redes de cuidado coletivo nos territórios periféricos e fomentar saberes afrocentrados sobre saúde e cura, valorizando a medicina tradicional e a sabedoria ancestral. Saúde como Justiça e Resistência Falar sobre a saúde da população negra é, acima de tudo, falar sobre justiça. Não há bem-estar possível sem o enfrentamento do racismo estrutural que adoece e mata cotidianamente. O corpo negro resiste, mas não pode mais resistir sozinho. O Agosto Negro da Livraria Pandora é um chamado à escuta, ao aprendizado e à ação. Porque, como ensinou bell hooks, “a cura é um ato de libertação”. E toda luta antirracista é também, necessariamente, uma luta pela vida.

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